UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOTECNOLOGIA MORFOANATOMIA DO FRUTO DE AÇAÍ EM FUNÇÃO DO TEOR DE ÁGUA UTILIZANDO MICROSCOPIA ÓPTICA E MICROTOMOGRAFIA DE RAIOS-X Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia da Universidade Federal de São Carlos, para obtenção do título de Mestre em Biotecnologia. Orientada: Gisele Vieira Ribeiro Orientadores: Prof. Dr. José Dalton Cruz Pessoa Prof. Dr. Marcos Arduin São Carlos/SP 2010 Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da Biblioteca Comunitária da UFSCar R484mf Ribeiro, Gisele Vieira. Morfoanatomia do fruto de açaí em função do teor de água utilizando microscopia óptica e microtomografia de raios-X / Gisele Vieira Ribeiro. -- São Carlos : UFSCar, 2010. 70 f. Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São Carlos, 2010. 1. Botânica. 2. Anatomia vegetal. 3. Euterpe oleracea. 4. Açaí. 5. Frutos - morfologia. I. Título. CDD: 581 (20a) iii "Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças." (Charles Darwin) iv Agradecimentos Primeiramente agradeço a Deus por ter me mostrado os caminhos e me iluminado; Agradeço imensamente à minha mãe pelo amor incondicional, cuidado, incentivo, apoio, força, conforto, paciência, broncas e por estar sempre ao meu lado em todos os momentos, que mesmo passando por enormes dificuldades apoiou meus estudos, opiniões e decisões; Agradeço infinitamente ao meu pai que me deu o melhor, pela proteção, por sempre apoiar minha formação profissional, pela luta sem descanso para poder me sustentar e que recentemente virou uma estrela a me iluminar, com sua força e forte presença espiritual; Ao Daniel pelo apoio, amor, compreensão e carinho incomensuráveis; Ao Programa de Pós Graduação em Biotecnologia da Universidade Federal de São Carlos e à Embrapa Instrumentação Agropecuária pela infraestrutura; Aos meus orientadores Dr. José Dalton Cruz Pessoa e Dr. Marcos Arduin pelo auxílio, conhecimentos, oportunidades e suporte para o desenvolvimento desta dissertação; Aos membros da banca de qualificação Dra. Valéria Aparecida Modolo, Dra. Maria Olímpia de Oliveira Rezende e Dra. Cristiane Sanchez Farinas. À Dra Flávia Cristina Sossae e Dra. Maria Olímpia de Oliveira Rezende por terem aceitado participar da banca examinadora da minha dissertação; Ao André Schwob por auxiliar na coleta e envio de amostras; Ao Paulinho (Paulo Lasso) pela ajuda e prontidão sempre a atender minhas dúvidas; À Mariana Coutinho Magnani Carneiro pelo enorme auxílio com os dados experimentais; Aos meus queridos e inesquecíveis amigos do laboratório que fizeram o local de trabalho mais divertido e saudável, pelas nossas conversas descontraídas, ajuda de uns com os outros nos experimentos, desabafos e auxílio nas horas dificílimas, diversões, cafezinhos, reuniões inesquecíveis...e sei que igual a esse grupo maravilhoso será muito difícil encontrar novamente. Agradeço imensamente à Danieli (Danicleide), Thais (Thaisão), Alexandre (com casaco de pele), Cléia, Samuel (Samuelson), Raphael (Pessoinha), Tatiane (Tatileide), Ana Lúcia (Banana), Karina, Diego (Moncayo Jr.), Alan (Alanleide). E a todos que me acompanharam nesta trajetória e acreditaram em mim, Paz e Luz! v SUMÁRIO Resumo........................................................................................................................................6 Abstract.......................................................................................................................................7 Capítulo 1: Introdução Geral.......................................................................................................8 Justificativa...............................................................................................................................14 Objetivo Geral e Objetivo Específico.......................................................................................15 Referências ...............................................................................................................................16 Capítulo 2: Anatomia do desenvolvimento dos frutos de açaí (Euterpe oleracea Mart.).........18 Resumo......................................................................................................................................18 Introdução.................................................................................................................................19 Materiais e Métodos..................................................................................................................20 Resultados.................................................................................................................................21 Discussão..................................................................................................................................28 Conclusões................................................................................................................................32 Referências................................................................................................................................33 Capítulo 3: Avaliação da microtomografia de Raios-X como ferramenta de observação estrutural do fruto açaí (Euterpe oleracea Mart.).....................................................................36 Resumo......................................................................................................................................36 Introdução.................................................................................................................................37 Materiais e Métodos..................................................................................................................38 Resultados e Discussão.............................................................................................................40 Conclusões................................................................................................................................50 Referências................................................................................................................................51 Capítulo 4: Extração do mesocarpo do açaí submetido a hidratação e desidratação................53 Resumo......................................................................................................................................53 Introdução.................................................................................................................................54 Materiais e Métodos..................................................................................................................56 Resultados e Discussão.............................................................................................................59 Conclusões................................................................................................................................69 Referências................................................................................................................................70 6 Resumo Tendo em vista a escassez literária referente a frutos de açaí (Euterpe oleracea - Mart.), este trabalho foi desenvolvido com ênfase anatômica, recorrendo a técnicas usuais de microscopia de luz e microtomografia de raios-X. Foi descrita a flor masculina e principalmente o desenvolvimento dos frutos de açaí em diferentes estádios de maturação. Durante a maturação destes foi observada a presença de compostos fenólicos presentes no parênquima externo, no caso, antocianinas. As células do endocarpo, que inclusive se projetam para dentro do endosperma, também acumulam compostos fenólicos. Na região intermediária do mesocarpo há um parênquima de reserva, contendo glóbulos lipídicos. Internamente a este, há uma grande quantidade de monostelos (sistema vascular) e, externamente, uma camada de esclerênquima. Após a colheita dos frutos observou-se que sua exposição à temperatura ambiente após 24 horas pode causar efeitos prejudiciais a sua estrutura. Tais alterações causadas pela desidratação dos tecidos foram analisadas através da microtomografia de raios- X. Este método foi eficaz e não destrutivo, preservando a integridade das amostras. Pela técnica de microscopia de luz, haveria dúvida se as alterações seriam causadas pela desidratação ou se seriam artefato de técnica. Nos tecidos dos frutos submetidos à desidratação foram identificadas rupturas e retrações, que causaram efeitos irreversíveis a estrutura interna, com perda de aproximadamente 5% de massa fresca. Ambos os métodos utilizados para a identificação estrutural dos frutos de açaí foram eficazes. As técnicas de microscopia de luz contribuíram para o melhor reconhecimento dos tecidos durante a posterior análise pela microtomografia de raios-X. Através das observações realizadas nas imagens microtomográficas, considerou-se que os efeitos poderiam interferir no processo de despolpamento dos frutos de açaí. Assim os frutos foram submetidos aos processos de desidratação, hidratação e posterior extração do mesocarpo. Foram obtidos valores máximos de rendimento em frutos que tiveram variação de massa fresca com aproximadamente -3% e posteriormente reidratados. Valores próximos de -5% desestruturaram significativamente o mesocarpo, diminuindo os valores de rendimento. Contudo, as desidratações amenas com variação de massa fresca de aproximadamente -3% e posterior imersão dos frutos em água até saturação aumentam consideravelmente os valores de rendimento, obtendo-se assim valores máximos de massa despolpada. 7 Abstract This anatomy work upon açai fruit (Euterpe oleracea - Mart.) was developed due the lack of literature about anatomical studies of this plant. Common techniques for light microscopy studies and X-Ray microtomography were used. Male flower was described and, the fruit development was observed in different maturity stages. Phenolic compounds (anthocianins) are observed during the fruit maturity in external parenchyma. Endocarp cells present other phenolic compounds; extensions of that tissue penetrate in endosperm. The mesocarp presentes an intermediary region _ a storage parenchyma _ with lipid globules in its cells. The storage parenchyma involves a dense monostele network (vascular system). A sclerenchyma layer involves the storage parenchyma. The açai fruit exposition at room temperature may cause harmful effects in its structure after 24 hours. They are caused by the fruit tissue dehydration. The modifications were observed by X-Ray microtomography images. This is a non-destructive effective method. The samples are preserved intact. By the microscopy method, the modifications may be caused by dehydration or an artifact only. Definitive damages, like rupture and retractions was identified in fruit tissue subject to dehydration. A loss of fresh mass around 5% was detected. Both methods used for this work were good. Microscopy techniques allow to recognize the tissues observed by X-Ray microtomography. The observations of microtomography images were suggested that the effects could interfere in pulping process of açai fruit. So the fruits were submitted to the dehydration and hydration process, and then to the mesocarp extraction. The fruits with light dehydration and more then hydration showed high values of pulped mass. The highest values of dehydration prevented the hydration process, with the consequent decrease of the values of the pulped mass, like the just dehydration fruit, showing minimal values of yield. 8 Capítulo 1 INTRODUÇÃO GERAL Botânica A palavra “botânica”, do grego botanē tem significado de “planta”; derivada do verbo boskein, alimentar. Contudo, a importância do cultivo de plantas desenvolvido pelo homem, permitiu o fornecimento de fibras para o vestuário, madeira para o mobiliário e abrigo, papel, alimentos, vitaminas, remédios, como também o oxigênio liberado (Raven et al 2007). Consequentemente, os materiais vegetais que mais interessavam ao homem eram selecionados e cultivados, levando a uma domesticação da espécie, que perde sua rusticidade quando torna- se dependente do homem. As espécies que são introduzidas e adaptadas em outras regiões, sem um trabalho de melhoramento são semidomesticadas. Dentre as espécies nativas do Brasil, que foram domesticadas estão o abacaxi, amendoim, cacau, castanha-do-pará, caju, mandioca, maracujá. Espécies como pequi, mangaba e muitas palmeiras estão em fase de domesticação (Tombolato et al 2004). Bovi et al (1987) citam pesquisas desenvolvidas com palmeiras do gênero Euterpe e Bactris, nas áreas de fitotecnia e melhoramento genético. Contudo, as pesquisas desenvolvidas servem de subsídios para diversas áreas científicas que necessitam do conhecimento sobre plantas. Muitas pesquisas relacionadas envolvem as angiospermas, plantas com flores e que produzem frutos. Representam o filo Anthophyta, incluindo cerca de 300.000 espécies. Dentre estas espécies, destacam-se as palmeiras. As Palmeiras e sua importância econômica Há mais de dois séculos botânicos percorreram continentes e obtiveram informações que puderam contribuir para os conhecimentos botânicos. Contudo, Martius desenvolveu a sistemática das palmeiras, utilizada como base para sistemas taxonômicos e posteriormente passaram a ser feitos estudos sobre a ecologia das palmeiras (Reitz, 1973; Alves & Demattê 1987). A família Arecaceae está entre as monocotiledôneas que tem registro fóssil dos mais antigos. Essa família engloba aproximadamente 236 gêneros e 3.400 espécies (Joly, 2002). No estuário do rio Amazonas, especificamente na Ilha de Marajó, ocorrem 23 espécies e 13 gêneros (Henderson et al 1991). 9 Muitas espécies são utilizadas como fonte alimentar e de matéria-prima para construções desde antigas civilizações, como os habitantes do norte da África e sudoeste da Ásia. Destaca-se seu potencial ornamental em composições paisagísticas. As palmeiras também estão presentes em grande parte das formações vegetais. Podem ser encontradas em orlas marítimas, como também em regiões interioranas e são plantas de clima tropical (Sodré, 2005; Sousa & Lorenzi, 2005). Alves & Demattê (1987) descreveram aproximadamente 417 espécies nativas do Brasil, dentre sua região e ocorrência, subdivididas em cinco subfamílias. Esta família inclui monocotiledôneas, que diferem de qualquer outro vegetal, devido aos seus caracteres morfológicos e anatômicos. Estas plantas possuem raízes fasciculadas, cilíndricas, espessas e muito abundantes; em condições de alta umidade podem desenvolver raízes adventícias. O caule denominado estipe, apresenta-se simples ou ramificado, com ou sem espinhos. A região apical do estipe é formada por um meristema envolvido pelas bainhas das folhas, chamado de palmito. A morfologia das folhas varia entre os gêneros, com inflorescências na forma de cachos, constituindo a raque, como um eixo principal composto por inúmeras flores, que poderá ostentar diversas ordens de ramificações, chamadas ráquilas. As palmeiras podem ser monoicas, suas flores apresentam-se em tríades, onde duas flores masculinas circundam uma flor feminina. Os frutos, geralmente com uma semente em seu interior, são de enorme diversidade, com diferentes cores, formas e tamanhos (Alves & Demattê 1987; Sodré, 2005). As palmeiras são de grande importância econômica, fornecendo matéria-prima para produção de licor, suco, farinha, óleo, cera, enfeites e fibras industriais. Como fonte alimentar, destacam-se o babaçu (Attalea speciosa), fornecendo óleo; o buriti (Mauritia flexuosa) com seus frutos comestíveis; o coco verde (Cocos nucifera), com endosperma líquido onde é obtida uma bebida; o dendê (Elaeis guineensis) produz óleo e a pupunha (Bactris gasipaes) produzindo frutos e palmito. Um dos principais produtos fornecidos por algumas espécies de palmeiras é o palmito, utilizado como fonte alimentar desde épocas coloniais e passou a ser um importante produto de exportação. As espécies Euterpe edulis, Euterpe oleracea e Euterpe precatoria são palmeiras economicamente importantes, fornecedoras de palmito e frutos comestíveis chamados popularmente de açaí. A ocorrência da elevada extração de palmito na região Sul por volta dos anos 60 provocou grande destruição das populações de E. edulis (Nogueira & Homma, 1998). Consequentemente iniciou-se a procura por novas fontes fornecedoras de palmito destacando- 10 se a espécie E. oleracea, que despertou grande interesse comercial. Até o ano de 1966 a importância de E. oleracea limitava-se ao fornecimento de frutos e posteriormente passou a ser uma das maiores fontes de palmito do Brasil, também despertando o interesse das indústrias alimentícias, de papel e celulose (Lopes et al 1982). Com o despolpamento industrial dos frutos de açaí é obtida uma bebida de alto valor energético e nutricional. Esta é consumida com farinha de mandioca, açúcar, tapioca, peixe, carne de sol ou na forma de mingau, pelas populações ribeirinhas da região Norte (Calzavara, 1972; Alves & Demattê, 1987; Sousa & Lorenzi, 2005; Henderson et al 1991; Joly, 2002; Lopes et al 1982; Nogueira et al 2005). No Brasil, nos anos de 1969 a 1970 verificou-se a grande importância do açaizeiro no estado do Pará, para a produção de palmito destinado aos mercados das regiões Sudeste, Nordeste e Sul. Também era fornecido aos mercados da Itália, EUA, França, Suécia e Holanda (Calzavara, 1972). A exportação de polpa dos frutos congelada teve início no ano de 2000, para os EUA e Itália (Nogueira et al 2005). A produção de polpa passou a ser uma importante fonte de renda e alimento para as populações ribeirinhas da região Norte, o que assegurou a conservação de açaizais e incentivos para plantio dessas palmeiras. A produção de polpa anteriormente destinada ao mercado local passou a ter grande comercialização para outras regiões do país (Nogueira & Homma, 1998), com demanda crescente a novos mercados. Nogueira et al (2005) citam que na cidade de Belém eram comercializados 120 mil litros diários de açaí. No período de 1996 a 2001 o açaí produzido no Estado do Pará cresceu a uma taxa de 6% ao ano, de 189 a 423 mil toneladas ao ano (Costa et al 2004). No ano de 2002 o açaí representava 66% da quantidade total de frutos produzidos, aumentando para 76% no ano seguinte. A Secretaria da Agricultura do Estado do Pará estima que a produção em 2004 alcançou 350 mil toneladas de frutos, que é 35% a mais que em 2003. O extrativismo era o cenário de que se tinha notícia até a década de 1980, visto que até 1953 a economia da Amazônia era baseada numa grande renda do setor primário obtida através do extrativismo vegetal (Homma, 1993). Foram propostas novas técnicas para cultivo e manejo dos açaizais (Calzavara, 1972) e na década de 1990, 20% da produção de açaí já era o resultado do cultivo. No Estado do Pará, a produção total de açaí tem um crescimento de 12,5% ao ano de áreas cultivadas, enquanto que a produção extrativa aumenta 3% ao ano (Costa et al 2004). 11 Em 1950, no Estado de São Paulo a espécie E. oleracea foi introduzida como planta ornamental (Bovi et al 1987), sendo posteriormente disseminada nas regiões de Ubatuba e Caraguatatuba destinada para fins de pesquisa (Bovi & Cardoso, 1976). Calzavara (1972) cita que E. precatoria também produz frutos que podem ser consumidos em forma de bebida, como o tradicional açaí e dela se extrai um palmito de boa qualidade. Seu caule pode ser utilizado para assoalho, forros e cercas. Caracterização das espécies E. edulis, E. precatoria e E. oleracea (Mart.) A espécie E. edulis é conhecida como palmeira juçara, jiçara e palmiteira do Sul é encontrada no sul dos Estados de Mato Grosso e Goiás, presentes em Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Santa Catarina. É uma palmeira monocaule e após a extração do palmito não apresenta brotações. Consequentemente é necessário um programa de replantio permanente para exploração de seus produtos (Calzavara, 1972). A palmeira E. precatoria é conhecida como açaí de terra firme, açaí solitário, açaí molhe, açaí do Amazonas, Palma do Rosário na Bolívia e YuYu Chonta no Peru. Esta palmeira é nativa do Alto do Amazonas, Acre, Rondônia e Pará (Calzavara, 1972; Lorenzi et al 2006), predominantemente encontrada em solos de terra firme (Franke et al 2001) e em áreas periodicamente inundadas. Assim como E. edulis, E. precatoria não possui perfilhamento, sendo uma palmeira monocaule, que também necessita de replantio permanente para extração do palmito. A espécie E. oleracea é conhecida pelos franceses como palmeira Pinot, pelos ingleses como Euterp palm e pelos venezuelanos como manaca. No Brasil é chamada de açaí-do-pará e açaí do baixo amazonas. Predominantemente encontrada nas matas de várzea, igapó e terra firme da Amazônia; encontrada do Amapá, Maranhão, Pará e Tocantins (Lorenzi et al 2006), está presente em áreas inundadas e baixas elevações (Henderson et al 1991), como nas margens de rios e próximas ao mar. Diferentemente de E. edulis e E. precatoria, a palmeira E. oleracea possui indivíduos com múltiplos estipes. Um manejo entre os estipes permite a retirada do palmito sem que ocorra a eliminação da palmeira. Com a presença de caules do tipo estipe, lisos, com altura entre 10 a 15 m, E. oleracea pode atingir até 35 m, com diâmetro de 7 a 18 cm. Possui raízes visíveis e um total de 9 a 15 folhas, com um comprimento de 2 a 3,5 m, constituídas por 50 a 80 folíolos dispostos regularmente. A base das folhas, os pecíolos, quando cercam o estipe são chamadas bainhas; 12 tal secção corresponde ao que é chamado de palmito. As inflorescências estão localizadas nas axilas foliares, o espádice possui ramificações simples e seu eixo principal é a raque, com 63 a 158 ramificações, chamadas ráquilas. Por ser uma espécie monóica, ao longo da espádice são encontradas as flores femininas e masculinas. Os frutos são arredondados e de cor arroxeada, contendo uma semente em seu interior. A palmeira produz frutos no terceiro ano, com produção máxima entre o quinto e sexto ano, com peso médio de 4 kg de frutos por cacho (Calzavara, 1972; Lorenzi et al 2006; Rogez, 2000; Jardim & Macambira, 1996). Em vista das características citadas E. oleracea é visualizada na Figura 1 e assim classificada (Sousa & Lorenzi, 2008): Angiospermae Monocotiledoneae Grupo: Commelinidae Ordem: Arecales Família: Arecaceae Gênero: Euterpe Mart. - palmeira Espécie: Euterpe oleracea Mart. Figura 1: O açaizeiro e seus detalhes. 1. palmeiras e seus múltiplos estipes; 2. ráquilas portando frutos; 3. ráquilas portando flores (Fonte: Frigo); 4. frutos; 5. detalhe das raízes adventícias. 13 Da histologia à microtomografia de Raios-X Para o estudo da morfologia e histologia vegetal os métodos convencionais envolvem as análises das amostras com a microscopia clássica. Essas técnicas aprimoradas por Johansen (1940), Metcalfe & Chalk (1950), Kraus & Arduin (1997) continuam sendo aplicadas até os dias atuais para a análise da estrutura interna de diversos materiais. As técnicas em geral envolvem tratamentos químicos para a preparação das amostras, constituindo várias etapas, desde a fixação do material para estabilização dos componentes celulares, desidratação, infiltração e inclusão das amostras, para que sejam obtidas as seções em micrótomo rotativo. As amostras são coradas e finalmente são feitas as análises em microscopia de luz. Todas as etapas citadas necessitam de um trabalho minucioso, detalhado e consequentemente demorado. Contudo, outros métodos de microscopia foram desenvolvidos, como a microscopia eletrônica, necessitando que as amostras sejam desidratadas e metalizadas. Posteriormente, com o desenvolvimento de diversos estudos de microscopia de varredura, surge a microscopia de força atômica, onde uma probe desliza sobre a superfície do material e por forças inter- atômicas é feita a varredura. O processamento das imagens é feito através de um software em conexão. Contudo, novas técnicas não-invasivas foram desenvolvidas para análise de imagens. Uma delas é a ressonância magnética, utilizada a partir da década de 1970 em aplicações clínicas para neuroimagem. Em materiais biológicos o aparelho emite ondas eletromagnéticas e os núcleos dos átomos de hidrogênio são orientados para uma mesma direção, tornando-se instáveis. Ao retornarem ao estado inicial os átomos emitem ondas eletromagnéticas e as imagens são reproduzidas pela intensidade dessas ondas, a radiofrequência (Amaro Jr & Yamashita, 2001). Outra técnica desenvolvida e não-invasiva é a tomografia computadorizada, utilizada inicialmente para diagnósticos médicos, mas que atualmente está envolvida em pesquisas científicas. Feixes de Raios-X atravessam as seções dos materiais em diversos e diferentes ângulos, gerando medidas que são reproduzidas por um software (Nogueira, 2008). Com o aprimoramento da tomografia computadorizada, na década de 1980 surgiram técnicas capazes de analisar estruturas micrométricas, como a microtomografia computadorizada de Raios-X, com capacidade de analisar materiais com baixa umidade com a atenuação dos Raios-X em diferentes áreas que apresentam diferentes densidades (Frisullo et al 2009). O material é rotacionado por 180º ou 360° com passos precisos e virtualmente 14 secionado. Através de sua densidade e porosidade são reconstruídas imagens bidimensionais ou tridimensionais em computadores (Lasso et al 2008). JUSTIFICATIVA O mercado de açaí tem maior interesse pela comercialização de sua bebida obtida de frutos colhidos principalmente no Pará. O crescente aumento deste mercado e o reconhecimento do valor econômico de outros subprodutos deste fruto têm pressionado outras áreas de produção da Região Norte. Em São Paulo a oportunidade de negócio é evidente pela disponibilidade da espécie Euterpe edulis, cujas características foram longamente estudadas no Instituto Agronômico de Campinas. A partir dos anos 1970, são encontrados trabalhos referentes à germinação de sementes das palmeiras E. edulis e E. oleracea, desenvolvidos pela professora Dra Marilene Bovi no IAC. Um dos primeiros estudos anatômicos relacionados à espécie E. oleracea foi desenvolvido por Paula na década de 1970. Calzavara (1972) descreveu “As possibilidades do açaizeiro no estuário amazônico”, envolvendo diversos aspectos referentes às espécies E. edulis, E. precatoria e E. oleracea. Andrew Henderson desenvolveu diversos trabalhos sobre a flora das palmeiras, assim como Demattê (1987), que deu atenção especial a muitos aspectos referentes à botânica e evolução das palmeiras. Entretanto, a cadeia do açaí necesita de maiores informações e tecnologia para atender os requisitos de qualidade exigidos pelos novos consumidores. Estas e outras questões como conhecimentos das características botânicas da espécie e seus produtos, utilização de resíduos da agroindústria, adaptação de metodologias para qualificação da bebida e o desenvolvimento de novos processos e produtos tem sido escopo de trabalho de um grupo no Laboratório de Inovação em Pós-colheita (LIPCo), da Embrapa Instrumentação Agropecuária em São Carlos, dedicado à cadeia do açaí, que conta com o apoio de duas empresas de Belém e com o Departamento de Botânica da Universidade Federal de São Carlos, através do professor Dr. Marcos Arduin. Espera-se que com os conhecimentos adquiridos através deste trabalho sejam agregados valores à cadeia do gênero Euterpe, oferecendo subsídios para novas pesquisas e desenvolvimentos tecnológicos. 15 OBJETIVO GERAL Neste trabalho o objetivo foi contribuir para o conhecimento da espécie Euterpe oleracea (Mart.) por meio do estudo de caracteres morfoanatômicos da flor e frutos. Como também, a identificação das alterações estruturais internas dos frutos submetidos a diferentes condições de hidratação para posterior extração do mesocarpo. OBJETIVOS ESPECÍFICOS o Identificar a anatomia do desenvolvimento dos frutos de Euterpe oleracea Mart. através de microscopia de luz; o Avaliar a utilização da técnica de microtomografia de Raios-X como ferramenta de observação estrutural do açaí (Euterpe oleracea) submetido à hidratação e desidratação; o Avaliar o efeito do processo de hidratação/desidratação e do teor de água na extração do mesocarpo dos frutos de açaí. A dissertação está dividida em capítulos 4 capítulos: Capítulo 1: Introdução Geral Capítulo 2: Anatomia do desenvolvimento dos frutos de açaí (Euterpe oleracea Mart.); Capítulo 3: Avaliação da microtomografia de Raios-X como ferramenta de observação estrutural do fruto açaí (Euterpe oleracea Mart.); Capítulo 4: Extração do mesocarpo do açaí submetido à hidratação e desidratação. 16 Referências ALVES, M.R.P.; DEMATTÊ, M.E.S.P. Palmeiras - características botânicas e evolução. Fundação Cargill, 1987. 129p. AMARO JR, E.; YAMASHITA, H. Aspectos básicos de tomografia computadorizada e ressonância magnética. Revista Brasileira de Psiquiatria. 23(Supl I): 2-3, 2001. BOVI, M.L.A; CARDOSO, M. Germinação de sementes de açaizeiro. Bragantia. 35:91-96, 1976. BOVI, M.L.A.; JÚNIOR, G.G.; SÁES, L.A. Híbridos interespecíficos de palmiteiro – Euterpe oleracea x Euterpe edulis. Bragantia, Campinas. 46(2):343-363, 1987. CALZAVARA, B.B.G. As possibilidades do açaizeiro no estuário amazônico. 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Essa etapa depende do teor de água e pouco se conhece sobre as alterações causadas nos tecidos dos frutos expostos a diversas condições pós-colheita. Para a identificação das estruturas internas do fruto de E. oleracea e alterações causadas pelos efeitos de diferentes teores de hidratação, foi utilizada a técnica de microtomografia de Raios- X, avaliada como uma possível ferramenta para suprir esta lacuna. Utilizou-se o microtomógrafo de Raios-X SkyScan 1172 para obtenção de imagens de frutos de açaí frescos e desidratados através de estufa e ventilação forçada de ar. Na análise das imagens obtidas foram identificadas as camadas que constituem os frutos: epiderme, parênquima fundamental externo ou antocianínico, camada de esclerênquima, parênquima de reserva, monostelos, endocarpo e seus prolongamentos, endosperma, embrião, zona vascularizada e a região da cicatriz do estigma. O hilo, rafe e poro germinativo foram mais facilmente visualizados em frutos completamente desidratados. Também foi possível verificar os efeitos da desidratação sobre a estrutura interna dos frutos, como a retração entre os tecidos do mesocarpo. Tal retração é causada pela perda de água que faz com que parte das camadas dos tecidos sejam rompidas e parte se unam firmemente entre si. Este fato faz com que os tecidos fiquem mais enrijecidos e mais resistentes, aumentando a adesão entre o mesocarpo (polpa) e endocarpo (caroço). Valores de perda de massa fresca acima de 4,6% comprometeram significativamente a estrutura do mesocarpo dos frutos de E. oleracea. Palavras-chave - Açaí (Euterpe oleracea), microtomografia de Raios-X, hidratação, desidratação, liofilização. 1 Universidade Federal de São Carlos - UFSCar. Programa de Pós Graduação em Biotecnologia. São Carlos. 2 Embrapa Instrumentação Agropecuária. São Carlos. 3 Universidade Federal de São Carlos - UFSCar. Departamento de Botânica. São Carlos. 37 Introdução A espécie Euterpe oleracea destaca-se na família Arecaceae devido ao seu potencial ornamental e econômico (Alves & Demattê, 1987; Sousa & Lorenzi, 2005). Após a colheita e despolpamento dos seus frutos é obtida uma bebida de elevado teor energético. Os frutos do açaizeiro devem ser colhidos e rapidamente processados, pois são muito perecíveis e facilmente nota-se o ressecamento e mudança na coloração do mesocarpo. Os frutos são colhidos e acondicionados em cestos de fibras chamados paneiros, ou em caixas plásticas. Posteriormente, são transportados através de embarcações evitando exposição a altas temperaturas e devem ser despolpados em até 24 horas após a colheita (Nogueira et al 2005), quando mantidos a temperatura ambiente. Quando este tempo ultrapassa aproximadamente 48 horas os frutos são colocados em embalagens de polipropileno e envolvidos por gelo para o transporte. Durante o processamento industrial os frutos do açaizeiro são imersos em água, para que a polpa (epicarpo e mesocarpo) seja facilmente retirada do caroço (endocarpo) durante o despolpamento. Desde a colheita até o processamento industrial os frutos são expostos a diversas condições ambientais, capazes de alterar significativamente sua estrutura interna e refletir na etapa de despolpamento. Para análises estruturais internas são utilizadas técnicas de microscopia óptica realizadas a partir das seções dos tecidos com a utilização de micrótomo rotativo. Contudo, este método minucioso e demorado pode provocar inúmeros artefatos nas amostras e levar a conclusões equivocadas. Panza et al (2004) no seu estudo anatômico de sementes de Euterpe edulis citaram a grande dificuldade de obter as seções do material por meio da microscopia clássica. Mousavi et al (2007) demonstraram as desvantagens da análise de amostras através da microscopia convencional, alegando possíveis modificações morfológicas do material durante o processo de secionamento. Com o desenvolvimento de equipamentos de ressonância magnética e tomografia computadorizada foi possível realizar a análise do interior das amostras de forma não- destrutiva. Inicialmente a ressonância magnética era utilizada apenas em aplicações médicas, como o trabalho desenvolvido por Souza et al (2004). Posteriormente, surgiram trabalhos envolvendo frutos, como melão (Lima et al 2005) e mangas (Biscegli et al 1999). Para as análises através de ressonância magnética, as amostras devem estar hidratadas para que sejam obtidos resultados satisfatórios. Amostras pouco hidratadas geram imagens com menor contraste, como em Ishida et al (1989) que analisaram tomates e vários deles apresentaram regiões muito escuras, equivalentes às áreas desidratadas. 38 O mesmo não ocorre na microtomografia de Raios-X (µ-TC), como exemplo, Miri & Fryer (2008) estudaram amostras de pão para visualizar sua microestrutura, importantes na formação da textura desejada para o produto. Lape et al (2008) também avaliaram a estrutura interna do pão. Dalen et al (2008) analisaram microestruturas de arroz, muesli e flakes com diferentes porosidades, assim como Mohoric et al (2009), que também identificaram a porosidade interna de grãos de arroz. Kuroki et al (2004) diferenciaram a microestrutura interna de pepinos em diversas condições de armazenamento; Mousavi et al (2007) realizaram um estudo sobre a estrutura de diversos alimentos, analisando a formação de espaços intercelulares provocados pelo congelamento. Estes estudos realizados através da µ-TC consistem na rotação das amostras, por passos de ângulos iguais até 360°, com Raios-X atravessando todo o material em diferentes direções, com contrastes relativos à densidade de cada área. Posteriormente as imagens são reconstruídas em 2D permitindo a visualização do objeto inteiro (Lima et al 2007; Mousavi et al 2007). Sabendo-se que os frutos de E. oleracea são sensíveis às condições ambientais e não são encontrados na literatura estudos explicando o fenômeno, propôs-se avaliar a aplicabilidade da µ-TC para análise e identificação das estruturas internas do fruto e suas alterações causadas em função do teor de água. Os resultados auxiliarão na compreensão das alterações da estrutura interna dos frutos e poderão ser utilizados como base para futuros desenvolvimentos tecnológicos. Materiais e métodos Material Botânico Os frutos do açaizeiro (Euterpe oleracea Mart.) foram coletados na Ilha Murutucu (Belém-PA) e enviados à Embrapa Instrumentação Agropecuária, em São Carlos, SP. Os experimentos foram realizados 48 horas após a coleta dos frutos. Metodologia Foram selecionados frutos de açaí sem danos visíveis no seu tecido e posteriormente lavados com detergente neutro comercial para retirada das sujidades. Em seguida foram secos com papel toalha. Os frutos foram submetidos a diferentes tratamentos, como seguem: 39 1. Desidratação em estufa a 60 ºC e reidratação por 30 minutos Um lote com 20 frutos de açaizeiro foi desidratado em estufa a 60 ºC durante 15, 30, 45 e 60 minutos e posteriormente reidratados durante 30 minutos. Foram selecionados aleatoriamente 4 frutos para aquisições das imagens em microtomógrafo de Raios-X. A cada etapa de desidratação foram medidas as massas dos frutos em balança analítica Mettler AE 200. Os frutos foram envoltos por filme plástico para evitar a perda de umidade durante a aquisição das imagens em microtomografia de Raios-X. A perda de massa foi representada por 100 Mi Mf Mf − × Equação [1], onde Mi é a massa inicial e Mf é a massa obtida após a desidratação em estufa. 2. Desidratação por ventilação forçada de ar Foi utilizado o mesmo procedimento descrito no item 1 com a substituição da utilização da estufa por ventilação forçada de ar a temperatura ambiente (24 ºC), para comparação das modificações estruturais internas obtidas no Experimento 1. 3. Liofilização Um lote de 20 frutos de açaizeiro foi congelado e colocado em liofilizador durante 36 horas para a aquisição de imagens através da µ-TC. 4. Microtomografia computadorizada por Raio-X As imagens foram obtidas utilizando o microtomógrafo de Raios-X (SkyScan 1172, Bélgica – Figura 1). Com um manipulador de precisão para a amostra e sensor CCD de 10 Mp (4000 x 2300). A distância fonte, objeto e câmera foram ajustadas de modo a obter imagens com resolução de 10 µm. No tubo de Raios-X foram aplicados 100 KV e 167 µA. O tempo de varredura foi de 45 minutos com a ausência de filtro. Foram obtidas aproximadamente 989 seções da amostra, reconstruídas em 3 segundos cada. As imagens foram analisadas através dos programas CTanalyser e DataViewer. 40 Figura 1: Microtomógrafo SkyScan 1172 e detalhe fruto de açaí envolvido por filme plástico sobre o porta- amostra para aquisição das imagens. Resultados e Discussão A µ-TC foi aplicada em frutos frescos de açaizeiro, frutos submetidos à desidratação em estufa a 60 ºC, desidratação sob ventilação forçada de ar a temperatura ambiente e liofilizados. Através das imagens obtidas (Figura 2) foi possível analisar as camadas e tecidos apresentados em imagens com 256 níveis de cinza. Figura 2: Imagem do fruto açaí obtida pelo µ-TC SkyScan 1172 visualizada no Programa CTanalyser. A µ-TC permitiu distinguir as estruturas internas dos frutos de E. oleracea, como mostrado na Figura 3A, utilizando-se como referência a imagem do fruto adulto (Figura 3B), obtida no Capítulo 2 através da técnica de microscopia de luz. 41 Figura 3: Fruto Euterpe oleracea: 3A: imagem de µ-TC. 3B: imagem obtida através de microscopia de luz. 1.Epiderme e parênquima fundamental externo ou antocianínico; 2.camada de esclerênquima; 3. parênquima de reserva; 4.monostelos; 5.endocarpo; 6. prolongamentos do endocarpo; 7.endosperma. Através das imagens de µ-TC foram identificados os valores aproximados das camadas que constituem o mesocarpo, como indicados a seguir: epiderme e parênquima fundamental externo ou antocianínico (0,13 mm), camada de esclerênquima (0,3 mm) e monostelos (0,3 mm) em tons de cinza claro; o parênquima de reserva (0,31 mm), endocarpo e seus prolongamentos em tons de cinza mais escuro. O mesocarpo apresentou aproximadamente 1,04 mm. Na região do endosperma dos frutos do açaizeiro (Figura 3A) podem ser vistos os prolongamentos do endocarpo totalmente irregulares, característico do endosperma ruminado. O embrião (Figura 4) em formato de cone está localizado no poro germinativo abaixo de vários feixes de fibras, próximo à zona de vascularização. O embrião não se apresentou muito diferenciado em relação ao endosperma, o que requerem um ajuste nos parâmetros de contraste. Desta forma foi possível identificar o embrião pela presença de vários pontos brilhantes, com 3,91mm de comprimento e 1,81mm de diâmetro. 42 Figura 4: Fruto fresco de açaí. O embrião, em destaque, apresenta-se como uma região mais brilhante localizada no endosperma. 1. Desidratação em estufa a 60 ºC e reidratação por 30 minutos Após cada período de desidratação 4 dos 20 frutos foram observados por µ-TC. Após 60 minutos os frutos foram reidratados por 30 minutos e tomografados. As imagens obtidas foram analisadas e notou-se comportamentos semelhantes entre as 4 amostras. Portanto, na Figura 5 são ilustradas as imagens de um dos frutos submetidos à µ-TC com os respectivos valores de perda de massa fresca. 43 Figura 5: Frutos de açaí desidratados em estufa a 60 ºC (B-E) e reidratados (F), com os respectivos valores de perda de massa fresca: A: Fruto controle; B: Fruto desidratado por 15 minutos (0,8%); C: Fruto desidratado por 30 minutos (2,7%); D: Fruto desidratado por 45 minutos (4,6%); E: Fruto desidratado por 60 minutos (6,3%); F: Fruto reidratado por 30 minutos (3,5% hidratação). 44 A- Fruto controle: o fruto apresentou seus tecidos coesos com micro pontos de ruptura (regiões escuras) isolados no parênquima antocianínico e entre os monostelos, próximos à zona vascularizada, região em que os monostelos convergem e se unem à ráquila. B- Fruto desidratado por 15 minutos (0,8% de perda de massa fresca): surgiram outros pontos de ruptura na epiderme e parênquima antocianínico, que é onde estão localizadas as antocianinas. Quando os frutos são retirados das ráquilas as brácteas podem ser destituídas e os tecidos logo abaixo são expostos, apresentando mais pontos de distanciamento entre os monostelos. O embrião localiza-se lateralmente e sob esta região. C- Fruto desidratado por 30 minutos (2,7% de perda de massa fresca): a epiderme e parênquima antocianínico apresentaram pontos de ruptura em várias regiões do fruto. Houve aumento das dimensões das rupturas entre a camada de esclerênquima e parênquima de reserva (onde estão localizados os lipídios) com distanciamento entre os monostelos. Verifica- se o surgimento de grandes rupturas no parênquima de reserva. Ormerod et al (2004) em estudos realizados com cenouras afirmaram que o tecido celular vegetal pode tornar-se frágil devido à redução nas ligações intercelulares. Pode-se dizer que as rupturas presentes no tecido do fruto do açaizeiro surgem proporcionalmente ao tempo em que o fruto é desidratado, com redução da adesão entre os tecidos. D- Fruto desidratado por 45 minutos (4,6% de perda de massa fresca): assim como no parênquima antocianínico, as rupturas atingiram o parênquima de reserva ao longo de quase todo o fruto, apresentando retrações; os monostelos estão mais distanciados entre si. Nesta etapa o mesocarpo apresentou alterações significativas e irreversíveis, podendo ser considerada uma desidratação grave e prejudicial à estrutura interna. Hoekstra et al (2001) afirma que a desidratação causa redução no volume celular e todo o conteúdo citoplasmático é expulso do seu interior, ocorrendo fusão da membrana. Marques (2006) analisando o endosperma de café afirmou que a membrana celular é uma das primeiras estruturas a ser danificada e o extravasamento de lipídios entre os espaços intercelulares provoca diminuição da qualidade da bebida. E- Fruto desidratado por 60 minutos (6,3% de perda de massa fresca): parte do parênquima de reserva rompido pela diminuição do teor de água apresenta-se unido à camada de esclerênquima e parte fica unido aos monostelos, como uma separação entre as camadas. 45 Os tecidos se retraem significativamente, os monostelos possuem vários espaços entreabertos e o embrião tem seu tamanho reduzido. A camada de esclerênquima apresenta-se com aspecto quebradiço. Pode-se afirmar o total comprometimento dos tecidos do mesocarpo com provável extravasamento de antocianinas e lipídios. Moore et al (2008) citam que a desidratação pode causar alterações na parede celular e consequente desorganização ao tecido. O embrião apresentou gradual redução no seu tamanho e este fato pode ser aparentemente explicado pela sua localização no endosperma, sendo mais suscetível a desidratação. O endosperma não sofreu os efeitos da desidratação e apresentou-se preservado. Segundo Stefanini & Pessoa (2008) os frutos de E. oleracea possuem aproximadamente 39,8% de água e portanto uma redução de 6,3% de perda de massa fresca afetou significativamente o mesocarpo do açaí. F- Fruto hidratado por 30 minutos (3,5% de ganho de massa): não foi possível visualizar modificações significativas nos tecidos; nas regiões dos monostelos que estavam anteriormente distanciados entre si houve um reempacotamento. Aparentemente, os tecidos que sofreram desidratação grave atingindo a ruptura, não responderam à hidratação. Vetter & Kunzek (2002) em desidratação de maçãs citam o colapso das células após a rigidez da parede celular, impedindo o processo de reidratação das células. Femenia et al (1998) também identificaram que durante o processo de desidratação de uvas ocorrem mudanças estruturais na parede celular. Foram analisadas as médias dos valores de perda de massa fresca do lote de frutos submetido à desidratação, como apresentados na Tabela 1: Tabela 1: Valores médios de perda de massa fresca dos frutos de açaí em função do tempo de permanência em estufa a 60 ºC. Tempo (min) Perda de massa fresca (%) 0 15 30 45 60 - (0,7 ± 0,1) (3,0 ± 0,3) (5,0 ± 0,2) (6,9 ± 0,1) 46 Provavelmente há desuniformidade na perda de massa fresca devido às características individuais de cada fruto, como a quantidade de água presente nos tecidos e tamanhos diferenciados dos frutos. Nas desidratações efetuadas até 60 minutos em estufa, o fruto submetido à µ-TC (Figura 5E) apresentou perda de massa fresca equivalente a 6,3%, com os efeitos da desidratação ocorrendo dos tecidos mais externos para os tecidos internos. Isto é verificado nas rupturas que surgem inicialmente na epiderme, parênquima antocianínico, camada de esclerênquima e parênquima de reserva, sucessivamente. Próximo à zona de vascularização, os tecidos geralmente ficam expostos e consequentemente sofrem uma desidratação mais rápida nesta região e em regiões próximas. A cada etapa em que os frutos de açaizeiro foram submetidos à desidratação notou-se modificações na estrutura do mesocarpo. Os tecidos dos frutos retraíram-se proporcionalmente ao tempo de desidratação aplicado, formando muitos espaços vazios. Quando as dimensões das rupturas aumentam e os tecidos sofrem retração (Figura 5E), alguns são distanciados uns dos outros, mas ao mesmo tempo verifica-se a adesão de vários e pequenos outros pontos ao longo do fruto. Epiderme e parênquima antocianínico se distanciaram do esclerênquima, mas parte ainda permaneceu aderida. Como também o distanciamento entre os monostelos e o parênquima de reserva. Estas alterações conferem maior endurecimento do mesocarpo e maior rigidez dos tecidos. Obataya et al (2005) afirmaram que com a diminuição do teor de água a parede celular torna-se rígida. 2. Desidratação por ventilação forçada de ar São apresentados os valores de perda de massa fresca do fruto submetido à µ-TC e as respectivas imagens ilustradas na Figura 6: 47 Figura 6: Frutos de açaí desidratados em ventilação forçada de ar (B-E) e reidratados (F) com seus respectivos valores de perda de massa fresca: A: Fruto controle. B: Fruto desidratado por 15 minutos (0,6%); C: Fruto desidratado por 30 minutos (1,1%); D: Fruto desidratado por 45 minutos (2,1%); E: Fruto desidratado por 60 minutos (2,4%); F: Fruto reidratado por 30 minutos (2,0% de ganho de massa). 48 Na Tabela 2 são indicados os valores das médias obtidas de 20 frutos submetidos à desidratação: Tabela 2: Valores médios de perda de massa fresca dos frutos de açaí sob ventilação forçada de ar. Tempo (min) Perda de massa fresca (%) 0 15 30 45 60 0 (0,6 ± 0,1) (1,7 ± 0,6) (2,3 ± 0,3) (2,8 ± 0,3) Os valores de perda de massa fresca também apresentaram uma pequena variação com o mesmo tempo de desidratação, referente às características individuais de cada fruto. A desidratação por ventilação forçada de ar a temperatura ambiente exerceu efeitos de ruptura semelhantes aos frutos de E. oleracea submetidos à estufa a 60 °C. As rupturas surgem nos tecidos mais externos e gradualmente ocorrem nos tecidos mais internos. Comparando-se os valores médios totais de perda de massa fresca dos frutos de açaí (Tabela 2), aqueles que foram submetidos à ventilação forçada de ar atingiram 2,8%, correspondendo aproximadamente aos valores obtidos por 30 minutos em estufa a 60 ºC, equivalentes a 3,0% de perda de massa fresca (Tabela 1). A desidratação em estufa acelerou o processo causando efeitos mais severos aos tecidos. Obataya et al (2005) verificaram a ocorrência de colapso celular vegetal com desidratação em torno da temperatura ambiente. Borges et al (2008) avaliando os efeitos de desidratação a altas temperaturas garantiram maior desidratação e menor encolhimento das fatias de abóboras submetidas a secadores com ventilação forçada. No fruto submetido à µ-TC com valor de 1,1% de perda de massa fresca (Figura 6) são visualizados poucos pontos de ruptura na epiderme, parênquima antocianínico, camada de esclerênquima, parênquima de reserva e distanciamento entre monostelos. Com o valor total de 2,4% de perda de massa fresca houve a ocorrência de rupturas, mas ausência de retração do parênquima de reserva, sendo que com o valor de 2,7% de perda de massa fresca no fruto desidratado em estufa durante 30 minutos, surgiram maior quantidade dos pontos de ruptura no parênquima de reserva, mas também não foi verificada retração do tecido. A ventilação forçada de ar causou desidratações amenas (até 2,4%), com efeitos ligeiramente menores na 49 estrutura do mesocarpo do açaí. A hidratação durante 30 minutos atingiu o valor de 2,0% rearranjando os monostelos e diminuindo os espaços entre eles. 3. Liofilização Através do fruto liofilizado foi possível analisar os tecidos, facilitando a identificação de algumas estruturas (Figura 7). Pode-se visualizar o poro germinativo com o embrião retraído em seu interior, o hilo, rafe e a zona de vascularização. O hilo assim como a rafe são cicatrizes localizadas na semente e ficam abaixo dos monostelos. Assim como pode ser verificado nos frutos de E. oleracea (Figura 7A), Aguiar & Mendonça (2003) estudando a morfoanatomia da semente de Euterpe precatoria através de microscopia óptica citaram que em uma das extremidades da rafe está situado o poro germinativo e na outra localiza-se o hilo. Na região externa dos frutos de E. oleracea foram observados dois pontos na superfície dos frutos, um deles é a zona de vascularização que rompe ao ser desconectada da ráquila e o outro ponto é uma cicatriz de quando a flor apresentava estigmas. Este estigma se desenvolve juntamente com o fruto e geralmente solta-se quando é atingida a maturidade, deixando exposta uma cicatriz. Figura 7: fruto de açaí liofilizado. A- 1.cicatriz do estigma; 2.hilo; 3.rafe; 4.poro germinativo; 5.zona vascularizada. B- EP.Epiderme e parênquima antocianínico; CE.Camada de esclerênquima; Pr. Parênquima de reserva; M.monostelos; E.embrião. Todos os tecidos do fruto apresentaram-se retraídos devido à perda de água. Epiderme e parênquima antocianínico se distanciaram do esclerênquima embora tenham permanecido aderidos em alguns pontos. A camada de esclerênquima é unida fortemente ao parênquima de 50 reserva e este a grande parte dos monostelos. Grande parte dos monostelos se distancia do endocarpo e adere ao parênquima de reserva logo acima, como também parte dos monostelos permanecem aderidos ao endocarpo. Alguns pontos entre os tecidos são distanciados e outros são fortemente aderidos e provavelmente este fato possa ser explicado pela rigidez da parede celular com a diminuição da umidade, conforme relata Obataya et al (2005) sobre a perda de água dos tecidos da cana. No interior do poro germinativo o embrião encontra-se totalmente retraído. No fruto completamente desidratado o embrião pode ser visualizado na cavidade do endosperma, na cor branca e brilhante. Independentemente dos métodos realizados e tempos de exposição à desidratação, baixos valores de perda de massa fresca foram capazes de desencadear uma sucessão de alterações que desorganizaram significativamente os tecidos do mesocarpo do açaí. O aumento dos valores de perda de massa fresca tendem a influenciar a intensidade do colapso nos tecidos. Conclusões A microtomografia de Raios-X mostrou ser uma técnica eficaz para a análise das estruturas internas dos frutos de E. oleracea com diferentes teores de água. O processo de desidratação causou efeitos sucessivos de ruptura e consequente retração dos tecidos do mesocarpo dos frutos. Independentemente do tempo de desidratação foram constatadas alterações nos tecidos do mesocarpo. Os efeitos causados pela desidratação através da estufa e ventilação forçada de ar foram semelhantes. O teor de hidratação é um fator imprescindível na preservação da estrutura interna dos frutos de açaí. 51 Referências AGUIAR, M.; MENDONÇA, M.S. de. Morfoanatomia da semente de Euterpe precatoria Mart. (Palmae). Revista Brasileira de Sementes 25(1):37-42. 2003. ALVES, M.R.P.; DEMATTÊ, M.E.S.P. Palmeiras - características botânicas e evolução. Fundação Cargill. 1987. 129p. BISCEGLI, C.I.; NASCIMENTO, A.S.; COLNAGO, L.A. 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Contudo, efeitos causados pela desidratação podem afetar os tecidos do mesocarpo dos frutos do açaizeiro, podendo influenciar significativamente à extração do mesocarpo. Neste trabalho foram realizados três experimentos envolvendo desidratações durante 15, 30, 45 e 60 minutos em estufa a 60 ºC e reidratação dos frutos. Foi constatado que com variação de massa fresca (∆Mf) em torno de -(2,80 ± 0,06)% são obtidos máximos valores de massa seca despolpada normalizada (MD), sendo explicado pelas rupturas presentes no parênquima de reserva, que reduzem a coesão do tecido. Posteriormente, a realização da reidratação e consequente aumento da ∆Mf permitiu maiores valores de MD. A ∆Mf próxima de -(5,77 ± 0,68)% causou grande declínio aos valores obtidos de MD, podendo ser explicado pelas severas rupturas causadas pelo efeito da desidratação, com grande desestruturação dos tecidos do mesocarpo dos frutos e consequente redução da capacidade de reabsorção de água. Portanto, independentemente do tempo de desidratação dos frutos do açaizeiro foram constatadas modificações estruturais internas, refletindo significativamente no despolpamento dos frutos. Palavras-chave – Euterpe oleracea, ruptura, despolpamento, parênquima de reserva, frutos. 1 Universidade Federal de São Carlos - UFSCar. Programa de Pós Graduação em Biotecnologia. São Carlos. 2 Embrapa Instrumentação Agropecuária. São Carlos. 54 Introdução Relações Hídricas Diversos trabalhos com plantas são desenvolvidos com o intuito de estudar seus mecanismos durante os períodos de dessecação, para compreender os efeitos causados às células vegetais. Moore et al (2008) citam que algumas plantas desenvolveram estratégias de sobrevivência quando expostas a desidratação, como a flexibilidade da parede vegetal, inibindo possíveis danos estruturais. Serrano & Montesinos (2003) afirmaram que tais mecanismos desenvolvidos por sistemas biológicos podem ser importantes para estudos relacionados à desidratação na área da tecnologia de alimentos. São citadas importantes características dos alimentos como o aroma, podendo ser relacionado a preservação das estruturas celulares durante a desidratação, reidratação e armazenamento dos mesmos. Em uma revisão bastante extensa Hsiao et al (1973) compilaram os trabalhos de vários autores com diferentes espécies relacionando os níveis do potencial da água com aspectos fisiológicos. Os componentes do potencial da água na planta são fundamentais nos ensaios envolvendo relações entre solo, água e planta. O componente hidrostático se manifesta de formas diferentes de acordo com a estrutura física do material. No simplasma de uma célula, por exemplo, ele corresponde à pressão que a água exerce nas paredes elásticas. Nesta por sua vez ele corresponde à tensão que o corpo de água sofre quando a parede porosa é forçada a contrair-se devido à redução do seu teor de água (Calbo e Pessoa, 1994). Desta forma, o estresse hídrico pode resultar em danos severos a parede celular vegetal Moore et al (2008). Hoekstra (2001) analisou os mecanismos de estabilização estrutural durante diferentes estágios de perda de água em plantas, verificando que a água mantém a estruturação de fosfolipídios nas membranas celulares, assim como a conformação de muitas proteínas. Contudo, a desidratação pode causar modificações conformacionais a estrutura dos sistemas de membranas celulares, que poderão perder sua organização com a ocorrência da desnaturação de proteínas. Assim como visto por Moore et al (2008), a perda de água pode ocasionar grande desorganização celular. Obataya et al (2005) estudando métodos de desidratação e a intensidade do colapso celular na cana observaram que quando a amostra tem rápida desidratação, sua superfície torna-se rígida primeiramente e pode não permitir a recuperação de um colapso. 55 São diversos os efeitos causados pela desidratação celular e os estudos relacionados encontrados ainda são escassos na literatura, mas que vem sendo cada vez mais objeto de interesse às pesquisas com plantas. Pré-tratamento do fruto de açaí na Agroindústria Através da separação entre a polpa (epicarpo e mesocarpo) e caroço (endocarpo) dos frutos de Euterpe oleracea é obtida uma bebida de elevado teor nutricional. São várias as etapas que constituem a preparação e o processamento dos frutos do açaizeiro para posterior consumo e são descritas por Rogez (2000) e Nogueira et al (2005), como segue: - Recepção dos frutos: os frutos do açaizeiro depois de colhidos são transportados, muitas vezes de barco até a indústria, no interior de cestos de fibras chamados paneiros ou caixas de plástico; - Seleção: os frutos visivelmente danificados são descartados; - Pré-lavagem: depois de selecionados os frutos são lavados em água corrente para eliminar impurezas; - Lavagem: é feita com hipoclorito de sódio a 2% para possível eliminação de micro- organismos e posteriormente é realizada uma lavagem em água potável para retirada do excesso de cloro; - Hidratação: os frutos são imersos em água com finalidade de retirar facilmente o mesocarpo. A água utilizada pode estar em temperatura ambiente ou variar entre 40 e 60 ºC; o tempo também pode variar de 10 a 60 minutos. Em seguida os frutos são despolpados em máquinas verticais ou horizontais, por processamento em batelada ou contínuo, respectivamente. As despolpadoras são constituídas por um cilindro composto por palhetas que giram e entram em atrito com os frutos, separando epicarpo e mesocarpo do endocarpo. Ao adicionar-se água é formada uma emulsão que é peneirada, os caroços são enviados para um compartimento lateral da despolpadora e o produto final está pronto para ser consumido ou congelado. Desde a coleta nas palmeiras e as posteriores etapas descritas para a preparação e processamento dos frutos do açaizeiro, devem ser realizadas em tempo reduzido. O fruto de açaí deve ser colhido e rapidamente processado, pois notam-se modificações nas suas propriedades organolépticas (Rogez, 2000). Os frutos quando expostos a temperatura ambiente por mais de 24 horas, apresentam ressecamento devido à desidratação e este fato pode interferir significativamente na qualidade do produto final obtido. 56 Sabendo-se que a quantidade de água presente nos frutos de E. oleracea pode causar alterações significativas em sua estrutura interna, o objetivo deste trabalho foi medir a massa despolpada em função do teor de água do fruto e do processo de hidratação e desidratação. Materiais e métodos Frutos Os frutos do açaizeiro (Euterpe oleracea Mart.) foram coletados na Ilha Murutucu (Belém-PA) no mês de agosto de 2009. Em seguida foram sanitizados com detergente neutro, retirado o excesso de água superficial, embalados em saco plástico e mantidos a 7°C (geladeira) por algumas horas. A embalagem plástica foi depositada em caixa de poliestireno expandido para transporte aéreo até a Embrapa Instrumentação Agropecuária em São Carlos, SP, onde foram realizados os experimentos. Metodologia Os frutos recém chegados foram colocados em um saco de polietileno de baixa densidade (PEBD), selado e armazenado sob aspersão de gotas grossas de uma solução aquosa refrigerada a -0,5°C. Antes do experimento o saco plástico era aberto e os frutos eram retirados para as atividades do dia. Foram realizados três experimentos de acordo com os diagramas mostrados a seguir. Para cada experimento os frutos foram divididos em 5 lotes, cada um subdividido em três grupos (para as medidas em triplicatas). Os três experimentos foram realizados em dias seguidos, na ordem numérica apresentada, sendo o primeiro realizado 24 horas após a colheita. As desidratações foram realizadas em estufa a 60 ºC com tempos de exposição de: 15, 30, 45 e 60 minutos. Após cada etapa do experimento os frutos foram pesados com uma balança analítica Mettler AE 200. A variação de massa fresca (∆Mf) foi definida como Equação [1], onde Mf é a massa do fruto antes do despolpamento e Mi é a massa fresca inicial. 57 Os frutos foram despolpados com agitador mecânico por aproximadamente 20 segundos a 1650 rpm. O tempo de agitação foi escolhido previamente para evitar a completa retirada do mesocarpo. Durante a agitação foram adicionados 180 mL de água potável. O suco obtido foi filtrado a vácuo e a massa retida no filtro foi colocada em estufa a 60 ºC durante 48 horas. A massa seca despolpada (Md) assim obtida foi normalizada em valores porcentuais pela massa fresca inicial (Mi): Equação [2], onde MD é a massa seca despolpada normalizada. Para facilitar a comparação entre o despolpamento obtido em cada tratamento e o controle, foi definida uma Taxa de Rendimento (TxR) pela seguinte equação: Equação [3]. Para cada experimento foi calculada as médias e o Desvio Padrão de Mi e Mf . Aos valores obtidos da massa seca despolpada normalizada (MD) foi aplicado o teste ANOVA um critério para comparação entre os lotes de cada experimento e o teste de Tukey a 5% de significância. 58 59 Resultados e Discussão Durante a realização dos experimentos provavelmente não houve anoxia, pois a embalagem de estoque foi aberta uma vez ao dia para retirada dos frutos a serem utilizados. As medidas realizadas por Stefanini (2010) mostraram que entre o primeiro e o terceiro dia após a colheita, o fruto não apresenta uma variação significativa na força de adesão do mesocarpo, sugerindo que os valores de MD não foram afetados pelo tempo de armazenamento. 1. Experimento 1 Na Figura 1 são apresentadas as médias da variação de massa fresca (∆Mf) em função do tempo de desidratação. A figura mostra que, como esperado, a ∆Mf é proporcional ao tempo de exposição à estufa. Após a indução da perda de massa fresca os frutos foram submetidos à extração do mesocarpo. 0 10 20 30 40 50 60 -7 -6 -5 -4 -3 -2 -1 0 1 V a ri a ç ã o d e M a s s a F re s c a ( % ) Tempo de desidratação (min) Figura 1: Variação de massa fresca (∆Mf) para os lotes dos frutos de açaí desidratados em estufa a 60 ºC durante tempos diferentes. A Figura 2 apresenta os valores da massa seca despolpada normalizada (MD) em função da ∆Mf. Apresenta também a Taxa de Rendimento (TxR), para auxiliar na comparação dos tratamentos com o lote controle. Os valores de MD dos frutos controle e do lote 3 diferem 60 entre si; como também os valores de MD dos frutos do lote 3 diferem dos valores do lote 5 pelo teste de Tukey ao nível de significância a 5%. -7 -6 -5 -4 -3 -2 -1 0 1 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0 3.5 4.0 4.5 M a s s a S e c a D e s p o lp a d a N o rm a liz a d a ( % ) Variação de massa fresca (%) 1,00 1,52 2,41 1,67 1,13 Figura 2: Variação de massa fresca (∆Mf) em função da massa seca despolpada normalizada (MD) para os frutos de açaí. As Taxas de rendimento (TxR) estão numericamente indicadas em cada um dos pontos da figura. A Figura 1 mostra que a desidratação reduziu proporcionalmente a ∆Mf, mas na Figura 2 a TxR aumentou até o máximo de 2,41 a 30 minutos em estufa (lote 3, ∆Mf = -2,80), voltando a decair até 1,13, ou seja, em média 13% a mais que o lote controle. Os frutos controle apresentaram, portanto baixos valores de MD. São frutos que não passaram por nenhum tratamento antes do despolpamento e sua estrutura não foi alterada. Neste lote os tecidos dos frutos possuíam alta adesão, dificultando o rompimento entre mesocarpo e endocarpo durante o despolpamento. Pequenas variações de massa fresca (e.g. ∆Mf = -0,69%) já foram suficientes para alterar a estrutura do fruto e apresentar em média o aumento da TxR. Com base nas imagens do Capítulo 3 (Figura 5) pode-se dizer que as alterações estão presentes em maior concentração nas regiões próximas à zona de vascularização, pois quando os frutos são retirados das ráquilas e tem a bráctea destituída, a região torna-se mais exposta e suscetível à desidratação. A coesão entre os tecidos é reduzida pelo surgimento de rupturas. 61 O lote 3, com ∆Mf igual a -(2,80 ± 0,06)%, equivale ao máximo valor obtido para MD (4,02 ± 0,44) e de TxR (2,41). Com este valor de ∆Mf foi possível alterar a região mais interna dos frutos, especificamente o parênquima de reserva e entre este e os monostelos, que sofrem rupturas, diminuindo parte da adesão entre estes tecidos anteriormente coesos, facilitando assim o despolpamento. Ormerod et al (2004) verificaram que a diminuição da força de ligação entre as células da cenoura provocou o enfraquecimento do tecido vegetal. A Figura 3 mostra os frutos após o processo de despolpamento, que expõe os monostelos de cor mais clara. Figura 3: 1- Frutos de açaí. 2 a 6- Imagens dos frutos de açaí após o despolpamento. São indicados os valores de ∆Mf dos frutos submetidos a desidratação em estufa a 60 ºC, anteriormente ao despolpamento. 2. Não houve variação de massa fresca; 3. -(069 ± 0,09)%; 4. -(2,80 ± 0,06)%; 5. -(5,77 ± 0,68)%; 6. -(5,97 ± 0,40)%. Durante o despolpamento mecânico os monostelos permanecem aderidos ao endocarpo. Na Figura 4 são mostrados os tecidos que se romperam após o despolpamento. 62 Figura 4: Detalhe do fruto de açaí após a extração parcial do mesocarpo, onde se pode ver os monostelos. A perda de água também pode alterar a geometria celular e modificar a força de adesão em alguns outros pontos, reduzindo a coesão entre as células do parênquima de reserva do açaí. Moore et al (2008) afirmaram que a perda de água dos tecidos vegetais implica na alteração da extensibilidade da parede vegetal. As células que constituem o parênquima de reserva do açaí apresentam formatos ligeiramente prismáticos, com um aspecto bastante irregular (Capítulo 3 - Figura 3B), características que podem exercer influência na fragilidade do tecido, sendo facilmente desestruturado. A desidratação em estufa a partir de 45 minutos (valores de ∆Mf iguais a -(5,77 ± 0,68)%, lote 4, e -(5,97 ± 0,40)%, lote 5) reduziu proporcionalmente a massa despolpada (MD). Embora a TxR tenha decaído também, em média seus valores foram maiores que o controle. Baseando-se nas imagens microtomográficas do Capítulo 3 (Figura 5D) com ∆Mf equivalente, a maior parte dos tecidos apresentaram grande aumento de rupturas com significativa retração do parênquima de reserva ao longo de quase todo o fruto. Essa redução da umidade pode ser considerada severa, pois permite que parte do parênquima de reserva se una firmemente aos monostelos e parte à camada de esclerênquima logo acima, desestruturando totalmente os tecidos, talvez até extravasando o conteúdo lipídico presente no parênquima de reserva. Hoekstra (2001) afirmaram que a desidratação e consequente diminuição do volume celular causam a exclusão dos componentes citoplasmáticos. As retrações causadas nos tecidos do mesocarpo dos frutos de açaí como observado com ∆Mf a partir de -(5,77 ± 0,68)%, permitiram uma maior rigidez dos tecidos, aumentando sua resistência e dificultando 63 drasticamente o despolpamento dos frutos. Obataya et al (2005) citaram a possível rigidez da parede celular e o colapso das células da cana em consequência da redução de água nos tecidos. 2. Experimento 2 Na Figura 5 são apresentadas as médias da variação de massa fresca (∆Mf) em função do tempo de desidratação em estufa. Os dados apresentados são referentes ao lotes de frutos de açaí desidratados em tempos diferentes e posteriormente reidratados até a saturação. 0 10 20 30 40 50 60 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0 3.5 4.0 4.5 5.0 V a ri a ç ã o d e M a s s a F re s c a ( % ) Tempo de desidratação (min) Figura 5: Valores da variação de massa fresca (∆Mf) para os lotes dos frutos de açaí desidratados em estufa a 60 ºC durante tempos diferentes e posteriormente reidratados. Os valores positivos de ∆Mf indicaram que os frutos foram capazes de absorver mais água do que o teor retirado. Seu efeito, porém dependeu da severidade da desidratação. Em média o maior valor foi atingido com o Lote 2 (15 minutos de desidratação). A partir de 30 minutos em estufa os lotes apresentaram valores de ∆Mf aproximadamente constantes e abaixo do controle. 64 Posteriormente os frutos foram submetidos à extração do mesocarpo e os resultados são apresentados na Figura 6. Os valores de MD do lote 3 diferem de todos os outros valores apresentados, confirmados pelo teste de Tukey ao nível de significância a 5%. 1.5 2.0 2.5 3.0 3.5 4.0 4.5 5.0 0 1 2 3 4 5 6 7 8 2,38 3,02 5,94 2,66 1,00 M a s s a S e c a D e s p o lp a d a N o rm a liz a d a ( % ) Variação de Massa Fresca (%) Figura 6: Valores da variação de massa fresca (∆Mf) em função da massa seca despolpada normalizada (MD) para os frutos de açaí. As Taxas de rendimento (TxR) estão numericamente indicadas em cada um dos pontos da figura. A prática industrial confirma que frutos hidratados apresentam maior rendimento no processo de despolpamento. Comparando-se os lotes controle dos Experimentos 1 e 2, esperaria-se que no segundo experimento o valor de MD fosse superior. Não foi possível demonstrar a observação prática através dos valores obtidos possivelmente pelas características individuais das amostras utilizadas nos ensaios. Os resultados de MD obtidos neste experimento apresentaram um padrão de comportamento semelhante ao observado no Experimento 1, aumentando até o terceiro lote e depois diminuindo. O lote controle também apresentou o menor valor de TxR. Em valores absolutos o Experimento 2 foi mais eficiente na extração do mesocarpo, demonstrando que a reidratação é eficiente não apenas para frutos frescos mas também para frutos parcialmente desidratados. Durante a desidratação foram induzidas rupturas cuja extensão foi proporcional à perda de água. Nas desidratações mais intensas possivelmente algumas células colapsaram e 65 algumas paredes celulares tenham enrijecido. Vetter & Kunzek (2002) afirmaram que a rigidez da parede e o colapso celular impedem o processo de reidratação. Durante a reidratação dos frutos de açaí a água foi absorvida pelo menos pelas células não colapsadas, ocupou os espaços intercelulares e preencheu as cavidades, reduzindo significativamente a força de coesão entre tecidos. Os lotes 4 e 5 apresentaram os menores valores da ∆Mf, pois são frutos que foram submetidos aos maiores tempos de desidratação em estufa, com 45 e 60 minutos, respectivamente. Para estes lotes foi verificada a consequente redução aos valores de MD, pois os frutos já apresentavam efeitos muito severos causados pela desidratação, como a desestruturação dos tecidos do mesocarpo visto no Capítulo 3 (Figura 5D e E). Devido às retrações dos tecidos, estes apresentaram-se mais endurecidos e com maior resistência, dificultando a extração do mesocarpo durante o despolpamento. 3. Experimento 3 Na Figura 7 são apresentados os valores das médias da variação de massa fresca (∆Mf) equivalentes ao tempo de reidratação de frutos de açaí desidratados por 30 minutos e posteriormente reidratados em tempos diferentes. 0 10 20 30 40 50 60 -4.5 -4.0 -3.5 -3.0 -2.5 -2.0 -1.5 -1.0 -0.5 0.0 0.5 V a ri a ç ã o d e M a s s a F re s c a ( % ) Tempo de reidratação (min) Figura 7: Variação de massa fresca (∆Mf) para os lotes dos frutos de açaí desidratados em estufa a 60 ºC durante 30 minutos e posteriormente reidratados em tempos diferentes. 66 Os valores da ∆Mf entre os lotes apresentaram-se negativos e positivos, demonstrando os efeitos parciais da desidratação e reidratação. O crescente aumento dos valores da ∆Mf indicaram que o processo de desidratação durante 30 minutos foi ameno, não causando efeitos severos aos tecidos parcialmente desidratados, permitindo a reabsorção de água. O Lote 1 (controle) apresentou o menor valor de ∆Mf, pois não foi submetido à reidratação. Posteriormente os frutos foram submetidos ao processo de extração do mesocarpo. O teste de Tukey ao nível de significância a 5% mostrou que os valores de MD entre os grupos não diferem entre si. Os dados obtidos são apresentados na Figura 8: -4.5 -4.0 -3.5 -3.0 -2.5 -2.0 -1.5 -1.0 -0.5 0.0 0.5 4.0 4.5 5.0 5.5 6.0 6.5 7.0 7.5 8.0 8.5 1,40 1,34 1,25 1,001,00 M a s s a S e c a D e s p o lp a d a N o rm a liz a d a ( % ) Variação de Massa Fresca (%) Figura 8: Variação de massa fresca (∆Mf) em função da massa seca despolpada normalizada (MD) para os frutos de açaí. As Taxas de rendimento (TxR) estão numericamente indicadas em cada um dos pontos da figura. Os valores de MD foram, em média, proporcionais aos valores da ∆Mf. O aumento do tempo de reidratação dos frutos foi essencial para a obtenção de maiores valores de MD. Os Lotes 1 e 2 com ∆Mf de -3,33 e -1,43%, respectivamente, apresentaram em média valores próximos de MD, com mesma TxR. Os frutos controle foram apenas desidratados e o Lote 2 continha frutos que foram reidratados durante 15 minutos. A partir do lote 3 (com ∆Mf de -(0.69 ± 0,15) a (0,30 ± 0,04)%) verificou-se em média o aumento dos valores de MD, com reidratação a partir de 30 minutos. Os valores de TxR em 67 média também foram maiores, atingindo até 40% (Lote 5) a mais que o lote controle. Aparentemente os Lotes 4 e 5 (com 45 e 60 minutos de reidratação, respectivamente) apresentaram em média TxR muito próximas, sendo que a saturação entre os frutos parcialmente desidratados foi próxima do tempo indicado por Pessoa & Silva (2007) para frutos frescos, que afirmaram que a saturação dos frutos de açaí ocorre aos 30 minutos de imersão em água. A desidratação não causou efeitos severos como a retração e grande desorganização dos tecidos dos frutos de açaí, como visto no Capítulo 3 (Figura 5C). Hoekstra (2001) e Moore et al (2008) citam que a desorganização celular pode ocorrer quando há completa perda de água dos tecidos vegetais, fato não constatado neste experimento. 4. Valores Consolidados Os valores de ∆Mf e MD obtidos ao longo dos três experimentos realizados foram dispostos na Tabela 1, para possível comparação entre os dados. Tabela 1: Massa despolpada seca normalizada (MD) para os três experimentos, em ordem crescente da variação de massa fresca (∆Mf). MD (%) ∆Mf (%) EXP 1 EXP 2 EXP 3 -5,97 1,88 -5,77 2,78 -3,33 4,76 -2,80 4,02 -1,43 4,74 -0,69 2,54 5,93 -0,26 6,36 0,00 1,67 0,30 6,68 2,13 3,43 2,17 2,70 2,73 6,74 3,47 1,14 4,35 3,02 68 Pode-se verificar grande amplitude aos valores correspondentes da ∆Mf, apresentando maior variação negativa para o experimento 1, devido a realização do processo de desidratação dos frutos de açaí em tempos diferentes. A ∆Mf obtida no experimento 2 pode ser classificada como intermediária, pois foi realizada a desidratação em tempos diferentes seguida de reidratação, reduzindo a variação observada no experimento 1. Em relação ao experimento 3 pode-se verificar que a ∆Mf apresenta dados negativos e positivos, pois os frutos foram reidratados em tempos diferentes. Para visualizar os maiores valores de MD são apresentados na Tabela 2 os dados em ordem decrescente referentes aos experimentos realizados. Tabela 2: Variação de massa fresca (∆Mf) para os três experimentos, em ordem decrescente da massa despolpada seca normalizada (MD). ∆Mf (%) MD (%) EXP 1 EXP 2 EXP 3 6,74 2,73 6,68 0,30 6,36 -0,26 5,93 -0,69 4,76 -3,33 4,74 -1,43 4,02 -2,80 3,43 2,13 3,02 4,35 2,78 -5,77 2,70 2,17 2,54 -0,69 1,88 -5,97 1,67 0,00 1,14 3,47 Os dados indicaram que o experimento 3 foi o mais eficiente para o despolpamento dos frutos, com maiores valores de MD devido ao processo ameno de desidratação e posterior 69 imersão em água. Entre os valores de MD a mediana obtida foi de 3,43%, demonstrando que todos os maiores valores estão acima da mediana e foram obtidos através do experimento 3. Os menores valores de MD foram observados no experimento 1 (maioria dos lotes abaixo da mediana), indicando que a perda de massa fresca compromete significativamente o despolpamento. Valores da ∆Mf próximos de -6% causaram efeitos severos ao tecido, conforme observado nas imagens de microtomografia (Capítulo 3), alterando significativamente a estrutura do mesocarpo e corresponderam aos menores valores de MD obtidos. Conclusões A desidratação afeta a estrutura do mesocarpo dos frutos de açaí independentemente do tempo de exposição, alterando proporcionalmente os valores de rendimento do despolpamento. Perdas amenas de massa fresca mantêm, aproximadamente, o padrão de absorção de água do fruto fresco. A eficiência do despolpamento é dependente da intensidade e do tratamento de desidratação e hidratação aplicados ao fruto. 70 Referências CALBO, A.G.; PESSOA, J.D.C. A plant grow re-analysis. Revista Brasileira de Fisiologia Vegetal. 6:2:83-89, (1994). HOEKSTRA. F.A.; GOLOVINA, E.A.; BUITINK, J. Mechanisms of plant desiccation tolerance. Trends in Plant Science 6(9)431-438. 2001. HSIAO, T.C. Plant responses to water stress. Ann. Rev. Plant Physiol. 24:510-70. 1973. 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